domingo, 8 de junho de 2008

A MORTA

(MAUPASSANT, Guy de. Contos Fantásticos. Porto Alegre: LP&M Editores, 1997)

Eu a amara perdidamente. Por que amamos? É realmente estranho ver no mundo apenas um ser, ter no espírito um único pensamento, no coração um único desejo e na boca um único nome; um nome que ascende ininterruptamente, que sobe das profundezas da alma como a água de uma fonte, que ascende aos lábios, e que dizemos, repetimos, murmuramos o tempo todo, por toda parte, como uma prece.

Não vou contar a nossa história. O amor só tem uma história, sempre a mesma. Encontrei-a e amei-a. Eis tudo. E vivi durante um ano na sua ternura, nos seus braços, nas suas carícias, no seu olhar, nos seus vestidos, na sua voz, envolvido, preso, acorrentado a tudo que vinha dela, de maneira tão absoluta que nem sabia mais se era dia ou noite, se estava morto ou vivo, na velha Terra ou em outro lugar qualquer.

E depois ela morreu. Como? Não sei, não sei mais.

Voltou toda molhada, nutria noite de chuva, e, no dia seguinte, tossia. Tossiu durante cerca de uma semana e ficou de cama.

O que aconteceu? Não sei mais.

Médicos chegavam, receitavam, retiravam-se. Traziam remédios; uma mulher obrigava-a a tomá-los. Tinha as mãos quentes, a testa ardente e úmida, o olhar brilhante e triste. Falava-lhe, ela me respondia. O que dissemos um ao outro? Não sei mais. Esqueci tudo, tudo, tudo! Ela morreu, lembro-me muito bem do seu leve suspiro, tão fraco, o último. A enfermeira exclamou: "Ah! Compreendi, compreendi!"

Não soube de mais nada. Nada. Vi um padre que falou assim: "Sua amante." Tive a impressão de que a insultava. Já que estava morta, ninguém mais tinha o direito de saber que fora minha amante. Expulsei-o. Vi outro que foi muito bondoso, muito terno. Chorei quando me falou dela.

Consultaram-me sobre mil coisas relacionadas com o enterro. Não sei mais. Contudo, lembro-me muito bem do caixão, do ruído das marteladas quando a enterraram lá dentro. Ah! Meu Deus!

Ela foi enterrada! Enterrada! Ela! Naquele buraco! Algumas pessoas tinham vindo, amigas. Caminhei durante muito tempo pelas ruas. Depois voltei para a casa. No dia seguinte, parti para uma viagem.

Ontem, regressei a Paris.

Quando revi o meu quarto, o nosso quarto, a nossa cama, os nossos móveis, toda essa casa onde ficara tudo o que resta da vida de um ser depois da sua morte, o desgosto apoderou-se de mim novamente, de uma forma tão violenta que quase abri a janela para atirar-me à rua. Não podendo mais permanecer no meio daqueles objetos, daquelas paredes que a tinham encerrado, abrigado, e que deviam conservar em suas fendas imperceptíveis milhares de átomos seus, da sua carne e da sua respiração, peguei meu chapéu para sair. De súbito, ao atingir a porta, passei diante do grande espelho que ela mandara colocar no vestíbulo para mirar-se, dos pés à cabeça, todos os dias antes de sair, para ver se toda a sua toalete lhe ia bem, se estava correta e elegante, das botinas ao chapéu.

E parei, de chofre, diante desse espelho que tantas vezes a refletira. Tantas, tantas vezes, que também deveria ter guardado a sua imagem.

Fiquei lá, de pé, trêmulo, os olhos fixos no vidro liso, profundo, vazio, mas que a contivera toda, que a possuíra tanto quanto eu, tanto quanto o meu olhar apaixonado. Tive a impressão de que amava aquele espelho - toquei-o - estava frio! Ah! Recordação! Recordação! Espelho doloroso, espelho ardente, espelho vivo, espelho horrível, que inflige todas as torturas! Felizes os homens cujo coração, como um espelho onde os reflexos deslizam e se apagam, esquece tudo o que conteve, tudo o que passou à sua frente, tudo o que se contemplou e mirou na sua feição, no seu amor! Como sofro! Saí e, involuntariamente, sem saber, sem querer, dirigi-me ao cemitério. Encontrei seu túmulo, um túmulo singelo, uma cruz de mármore com algumas palavras: "Ela amou, foi amada, e morreu."

Lá estava ela, embaixo, apodrecendo! Que horror! Eu soluçava, a fronte no chão.

Fiquei lá por muito tempo, muito tempo. Depois, percebi que a noite se aproximava. Então, um desejo estranho, louco, um desejo de amante desesperado apoderou-se de mim. Resolvi passar a noite junto dela, a última noite, chorando no seu túmulo. Mas me veriam, me expulsariam. Que fazer? Fui esperto. Levantei-me e comecei a vagar pela cidade dos desaparecidos. Vagava, vagava. Como é pequena essa cidade ao lado da outra, daquela em que vivemos! Precisamos de casas altas, de ruas, de tanto espaço, para as quatro gerações que vêem a luz ao mesmo tempo, que bebem a água das fontes, o vinho das vinhas e comem o pão das planícies.

E para todas as gerações dos mortos, para a série de homens que chegaram até nós, quase nada, um terreno apenas, quase nada! A terra os toma de volta, o esquecimento os paga. Adeus!

Na extremidade do cemitério habitado, avistei subitamente o cemitério abandonado, onde os velhos defuntos acabam de misturar-se à terra, onde as próprias cruzes apodrecem, e onde amanhã serão colocados os últimos que chegarem. Está cheio de rosas silvestres, de ciprestes negros e vigorosos, um jardim triste e soberbo alimentado com carne humana.

Estava só, completamente só. Agachei-me perto de uma árvore verde. Escondi-me completamente entre os galhos grossos e escuros.

E esperei, agarrado ao tronco como um náufrago aos destroços.

Quando a noite ficou escura, bem escura, deixei o meu abrigo e comecei a caminhar de mansinho, com passos lentos e surdos, por essa terra repleta de mortos.

Vaguei durante muito, muito tempo. Não a encontrava. Braços estendidos, olhos abertos, esbarrando nos túmulos com as mãos, com os pés, com os joelhos, com o peito, e até com a cabeça, eu vagava sem encontrá-la. Tocava, tateava como um cego que procura o caminho, apalpava pedras, cruzes, grades de ferro, coroas de vidro, coroas de flores murchas!! Lia nomes com os dedos, passando-os sobre as letras. Que noite! Que noite! Não a encontrava!

Não havia lua! Que noite! Sentia medo, um medo horrível, nesses caminhos estreitos entre duas filas de túmulos! Túmulos! Túmulos! Túmulos. Sempre túmulos! À direita, à esquerda, à frente, à minha volta, por toda parte, túmulos! Sentei-me num deles, pois não podia mais caminhar, de tal forma meus joelhos se dobravam. Ouvia meu coração bater! E também ouvia outra coisa! O quê? Um rumor confuso, indefinível! Viria esse ruído do meu cérebro desvairado, da noite impenetrável, ou da terra misteriosa, da terra semeada de cadáveres humanos? Olhei à minha volta!

Quanto tempo fiquei ali? Não sei. Estava paralisado de terror, alucinado de pavor, prestes a gritar, prestes a morrer.

E, de súbito, tive a impressão de que a laje de mármore onde estava sentado se movia. Realmente, ela se movia, como se a estivessem levantando. Com um salto, precipitei-me para o túmulo vizinho e vi, sim, vi erguer-se verticalmente a laje que acabara de deixar; e o morto apareceu, um esqueleto nu que empurrava a lápide com as costas encurvadas. Eu via, via muito bem, embora a escuridão fosse profunda. Pude ler sobre a cruz:

"Aqui jaz Jacques Olivant, morto aos cinqüenta e um anos de idade. Amava os seus, foi honesto e bom, e morreu na paz do Senhor." O morto também lia o que estava escrito no seu túmulo. Depois, apanhou uma pedra no chão, uma pedrinha pontiaguda, e começou a raspar cuidadosamente o que lá estava. Apagou tudo, lentamente, contemplando com seus olhos vazios o lugar onde ainda há pouco existiam letras gravadas; e, com a ponta do osso que fora seu indicador, escreveu com letras luminosas, como essas linhas que traçamos com a ponta de um fósforo:

"Aqui jaz Jacques Olivant, morto aos cinqüenta e um anos de idade. Apressou com maus-tratos a morte do pai de quem desejava herdar, torturou a mulher, atormentou os filhos, enganou os vizinhos, roubou sempre que pôde e morreu miseravelmente."

Quando acabou de escrever, o morto contemplou sua obra, imóvel. E, voltando-me, notei que todos os túmulos estavam abertos, que todos os cadáveres os tinham abandonado, que todos tinham apagado as mentiras inscritas pelos parentes na pedra funerária, para aí restabelecerem a verdade.

E eu via que todos tinham sido carrascos dos parentes, vingativos, desonestos, hipócritas, mentirosos, pérfidos, caluniadores, invejosos, que tinham roubado, enganado, cometido todos os atos vergonhosos, abomináveis, esses bons pais, essas esposas fiéis, esses filhos devotados, essas moças castas, esses comerciantes probos, esses homens e mulheres ditos irrepreensíveis.

Escreviam todos ao mesmo tempo, no limiar da sua morada eterna, a cruel, terrível e santa verdade que todo mundo ignorava ou finge ignorar nesta Terra.

Imaginei que também ela devia ter escrito a verdade no seu túmulo. E agora, já sem medo, correndo por entre os caixões entreabertos, por entre os cadáveres, por entre os esqueletos, fui em sua direção, certo de que logo a encontraria.

Reconheci-a de longe, sem ver o rosto envolto no sudário.

E sobre a cruz de mármore onde há pouco lera: "Ela amou, foi amada, e morreu", divisei:

"Tendo saído, um dia, para enganar seu amante, resfriou-se sob a chuva, e morreu"

Parece que me encontraram inanimado, ao nascer do dia, junto a uma sepultura.

6 comentários:

eugenia disse...

oi tudo bem? sou eugenia. hoje eu não posso ver os alunos todos. por que estava chovendo. né? só tres alunas.

então, eu vou comentar sobre a morta. eu acho que é uma conta fantástica. quando eu lei na primeira vez, eu entendia na parte de seu amante morreu e ele ficou muito triste e senti doloroso por causa da recordação dela. e quase não podia entender por que ele foi no cemitário. mas agora eu acho que não tem ninhuma causa.
em todo o caso, eu fiquei muito interessante na ultima parte. eu podia entender sem procurar o dicionário. eu senti que horror .
e senti pobre sobre ele.
ele foi enganado pele seu amante.
eu acho que é uma revolta.
gostei muito e senti impressão grande. e eu tenia horror sobre os cadaveres levantam e os esqueletos também. que interressante. mas en tenho pergunta que é verdadeiro ou pensamento (ou imaginação)dele?
então, vamos conversar na próxima aula. espero que todos presentem. tchau. que têm boa noite.

Linda Liu disse...
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doce de coracao disse...

Oi gente,eu sou kriss , eugenia sou eu ,agora esperamos yukali chegou,trés alunos.sim sou nós
Eu já olhei trés vezes ,mas endendi mais ou menos .eu acho que tenho pouco diferente com eugenia.eu ainda acho que o homen esteve com triste.porque ele amou mulher dele .Mas mulher dele morreu ,porque há uma dia voltou toda molhada,nutria noite de chuva,e no dia seguite ,tossia ,ficou de cama . depois médicos chegavam,traziam remédios,mulher dele tomou remédios.Mas não fui nada para ela .Este homen esteve com sáudade com ele .De súbto ,ele atingir a porta,passei diante do grande espelho que ela mandara colocar no vestibulo para mirar-se .Ele passou muito imagem sobre cemitário.
Agora eu não sei .eu acho que eugenia certo também.opa meu deus.
Este conto é bonita, mas eu não gosto ,porque ele é trste.Eu tenho pergunda para vocés ,eu não endendi ~~carne humana~~ e porque o homen falou ~~eu não sei, não sei mais~~muito vezes,mas ainda narrou este conto.

doce de coracao disse...

descupe para vocés ,é errado denovo,michele pode tirar errado meu texto.Se não tire ,linda quero matar eu.

doce de coracao disse...

Medo
Quando eu era crança com 6 anos.Mãe caminhamos no shoppong comigo.Eu quis comprar muito coisas,no meu olho,tudos coisas foram bom e especial.Mãe comprou um sorvete de chocolate para mim,eu estive muito feliz..Eu comei sorvete sempre.Um minuto depois ,eu disse;mãe ,este sorvete foi gostoso,vocé quis comer.mas não teve a voz de resporta.Eu disse denovo .mas ainda não tive resporta.Depois levantei minha cabeça para cima,não teve mãe.Eu olhei do volta de gente ,ainda não teve mãe .eu pagei meio sorvete e chorei no shopping.Eestive com medo .Muito gente viu para aqui,muito gente pergenda para mim;o que vocé acontecou.;Não teve o resporta,eu olhei muito gente não conheci,mais medo do que antes.Eu não soube ´´o que eu fiz; e depois o policia viu para cá .Eu ouvi e lhei policia .Ele falou para gente ~~não pricesa cuidado,na cima teve um mãe procurou uma menina,eu achei que esse menina foi filha da mulher.~~Gente batou palma para o policia .O policia levou procurado comigo ,chegei na cima ,eu olhei minha mãe chorou no chão .Eu correi rapido para com ela.Minha mãe olhou eu,ela parou chorar e obrigado para o policia.Eu ainda pagei o sorvete.mas já não teve mais . Mãe comprou denovo ,nós foramos embora casa.Primeiro vez medo para mim.

Unknown disse...

Olá, Sou Melissa. Tudo bem? Eu gostei esse conto porque isso não me deu um sentimento muito terrível.
Eu senti um pouco de romantica e tristeza. Eu gosto de conto fantisioso com ramântico.
Eu boto o que eu entendia. Boas férias e divirta-se muito. ^^

Um homem viveu durante um ano, um amor intenso. Agora ela estava morta. Numa noite de chuva, seu amor chegara toda molhada e, por uma semana estivera doente. Os médicos fizeram de tudo para salva-la. Mas, ela não resistiu. O homem não sabia mais nada. Só sabia que seu grande amor fora enterrado num buraco. Durante muito tempo caminhou pelas ruas, voltou para casa, viajou e estava de volta. Ao rever seu quarto, cama, moveis, objetos e ao parar diante do espelho que muitas vezes a refletira, sofreu muito. Saiu de casa sem rumo e quando viu estava diante do túmulo. Ficou ali durante muito tempo até perceber que a noite estava chegando. Resolveu passar a noite junto do seu túmulo pela última vez. Para que ninguem o visse começou a caminhar entre os túmulos. Quando escuridão chegou percebeu que não sabia onde estava e nem onde ficava o túmulo de sua amada. De repente viu uma laje mover-se. E apareceu um morto que apagou todos os escritos em seu túmulo. E depois, todos os mortos sairam de suas covas e modificaram as palavras que foram escritas por familiares. Os dizeres que os mortos escreveram eram a verdade que todo mundo ignora ou finge ignorar na terra. Diante deste fato, o homem procurou o túmulo de sua amada para ver o que ela havia escrito. E sobre a cruz de marmore leu:*Tendo saido, em dia, para enganar seu amante, resfriou-se sob a chuva, e morreu.* Ao nascer do dia foi encontrado, desmaiado junto a uma sepultura.

Tchau! Beijo.^^